segunda-feira, 26 de abril de 2010

PATERNIDADE DOS FILHOS CONCEBIDOS DE REPRODUÇÃO ASSISTIDA

Reprodução assistida é um conjunto de técnicas, utilizadas por médicos especializados, que tem como principal objetivo tentar viabilizar a gestação em mulheres com dificuldades de engravidar, seja em decorrência de dificuldade de ovulação, seja por problemas de infertilidade de cônjuge ou companheiro.

Segundo estudos especializados, das causas de infertilidade:

- 30% são femininas (problema ovulatório ou uterino);

- 30% são masculinas, pela não-produção (aspermia) ou produção insuficiente (oligospermia) de espermatozóides;

- 30% são de causas femininas e masculinas e

- 10% de causas indeterminadas.

Após a identificação das causas, costuma-se se proposto ao casal um plano de tratamento em uma tentativa de solucionar o problema. Evidentemente, a busca das cauas e da determinação de quem está com o problema exige consenso do casal, sob pena de o relacionamento conjugal restar prejudicado.

O Código Civil de 2002, incluiu, no art. 1.597, entre as diversas hipóteses de filhos presumidamente concebidos na constância do casamento, os filhos havidos por fecundação artificial.

Para efeito do art. 1.597, III e V, cumpre entender fecundação artificial homóloga como a fecundação na qual a mulher utiliza material genético do próprio marido. Fecundação artificial heretóloga é a fecundação promovida mediante o emprego de material genético de terceiro.

Nessa última modalidade, inexistindo prévia autorização do marido, é facultado a ele negar o reconhecimento, uma vez que não se configura a presunção de paternidade.

Havendo autorização, relativamente a pai (ou mãe) que não contribuiu com seu material fecundante, configura-se uma modalidade de parentesco civil perfeitamente enquadrada na expressão outra origem constante do art. 1.593 do Código Civil, ao lado da adoção e da própria filiação socioafetiva.

Fertilização in vitro

A fertilização in vitro também chamada f.i.v, ou bebê de proveta, foi uma das grandes conquistas no tratamento da infertilidade. A primeira criança gerada por esse processo foi Louise, filha de Lesly John Brown, no ano de 1978, em Londres, por obra do Dr. Patrick Steptoe e do Dr. Robert Edwards.

A denominação deve-se ao fato da fecundação do óculo pelo espermatozóide ocorrer fora do corpo, em laboratório, ou seja, em um tubo de ensaio - por isso a denominação in vitro. Os embriões resultantes da fertilização in vitro são transferidos para o útelo aproximadamente 72 horas após a captação de óvulos.

A fertilização in vitro destina-se a, principalmente, solucionar o problema de infertilidade da mulher, que pode resultar tanto da incapacidade de ovular, natural ou decorrente dos efeitos de rádio ou quimioterapia, quando da ruptura ou extirpação do útero.


FILIAÇÃO - RESUMO

Filiação

Presunção legal de paternidade

Dispõe o art. 1.597 do Código Civil que se presumem concebidos na constância do casamento os filhos:

I – nascidos cento e oitenta dias, pelo menos, depois de estabelecida a convivência conjugal;

II – nascidos aos trezentos dias subseqüentes à dissolução da sociedade conjugal, por morte, separação judicial, nulidade e anulação do casamento;

III – havidos por fecundação artificial homóloga, mesmo que falecido o marido;

IV – havidos a qualquer tempo, quando se tratar de embriões excedentários, decorrentes de concepção artificial homóloga;

V – havidos por inseminação artificial heteróloga, desde que tenha prévia autorização do marido”.

As principais técnicas de reprodução assistida são: a inseminaçãoartificial (homóloga, post mortem ou heteróloga), a fecundação in vitro e as chamadas "mães de substituição".

Dependendo da técnica aplicada, a fecundação poderá ocorrer in vivo ou in vitro. Na inseminação artificial, a fecundação ocorre in vivo,com procedimentos que são relativamente simples, consistentes na introdução dos gametas masculinos "dentro da vagina, em volta do colo, dentro do colo, dentro do útero, ou dentro do abdômen." (Eduardo Oliveira Leite, p. 38).

No caso da Fecundação in vitro, o processo é mais elaborado e a fecundação ocorre em laboratório, de forma extra-uterina.

Dependendo da origem dos gametas, a inseminação ou fecundação será homóloga ou heteróloga.

Será homóloga quando a fecundação se der entre gametas provenientes de um casal que assumirá a paternidade e a maternidade da criança.

Será heteróloga, quando o espermatozóide ou o óvulo utilizado na fecundação, ou até mesmo ambos, são provenientes de terceiros que não aqueles que serão os pais socioafetivos da criança gerada.

quarta-feira, 21 de abril de 2010

ADOÇÃO*

Conceito e finalidade

A adoção vem a ser o ato jurídico solene pelo qual, observados os requisitos legais, alguém estabelece, independentemente de qualquer relação de parentesco consangüíneo ou afim, um vínculo fictício de filiação, trazendo para sua família, na condição de filho, pessoa que, geralmente, lhe é estranha. Dá origem, portanto, a uma relação jurídica de parentesco civil entre adotante e adotado. É uma ficção legal que possibilita que se constitua entre o adotante e o adotado um laço de parentesco de 1º grau na linha reta.

A adoção é, portanto, um vínculo de parentesco civil, em linha reta, estabelecendo entre adotante, ou adotantes, e o adotado um liame legal de paternidade e filiação civil. Tal posição de filho será definitiva ou irrevogável, para todos os efeitos legais, uma vez que desliga o adotado de qualquer vínculo com os pais de sangue, salvo os impedimentos para o casamento (CF, art. 227, §§ 5º e 6º), criando verdadeiros laços de parentesco entre o adotado e a família do adotante.

Como se vê, é uma medida de proteção e uma instituição de caráter humanitário, que tem por um lado, por escopo, dar filhos àqueles a quem a natureza negou e por outro lado uma finalidade assistencial, constituindo um meio de melhorar a condição moral e material do adotado.

Duas eram as hipóteses de adoção admitidas em nosso direito anterior: a simples, regida eplo Código Civil de 1916 e a Lei 3.133/57, e a plena, regulada pela Lei n. 8;069/90, arts. 39 a 52.

A adoção simples, ou restrita, era a concernente ao vínculo de filiação que se estabelece entre adotante e o adotado, que pode ser pessoa maior ou menor entre 18 e 21 anos (Lei n. 8.069?90, art. 2º, parágrafo único), mas tal posição de filho não era definitiva ou irrevogável. Era regida pela Lei nº 3.133/57, que havia atualizado sua regulamentação pelo Código Civil de 1916.

A adoção plena, estatutária ou legitimante foi a denominação introduzida, em nosso país, pela Lei n. 6.697/79, para designar a legitimação adotiva, criada pela Lei n. 4;655/65, sem alterar, basicamente, tal instituto.

Com a revogação da Lei 6.697/79 pela Lei n. 8.069/90, art. 267, mantivemos aquela nomenclatura por entendê-la conforme aos princípios e efeitos da adoção regulada pelo Estatuto da Criança e do Adolescente e ante o fato de essa terminologia já estar consagrada juridicamente, pois tem sido empregada desde a era de Justiniano, que admitia tanto a adoptio plena como a adoptio minus plena, baseando tal distinção no critério da irrevogabilidade.

Adoção plena era a espécie de adoção pela qual o menor adotado passava a ser, irrevogavelmente, para todos os efeitos legais, filho dos adotantes, desligando-se de qualquer vínculo com os pais de sangue e parentes, salvo os impedimentos matrimoniais. Essa modalidade tinha por fim: atender o desejo que um casal tinha de trazer ao seio da família um menor, que se encontrasse em determinadas situações estabelecidas em lei, como filho e proteger a infância desvalida, possibilitando que o menor abandonado ou órfão tivesse uma família organizada e estável.

Assim, a criança até 12 anos e o adolescente entre 12 e 18 anos de idade tinham o direito de ser criados e educados no seio da família substituta, assegurando assim sua convivência familiar e comunitária (Lei 8.069/90, arts. 19 e 28, 1ª parte).

Pelo Código Civil atual e pela Lei 8.069/90, a adoção simples e a plena deixaram de existir, visto que se aplicará a todos os casos da adoção, pouco importando a idade do adotado. A adoção passa a ser irrestrita, trazendo importantes reflexos nos direitos da personalidade e nos direitos sucessórios.

Requisitos

Será imprescindível para a adoção o cumprimento dos seguintes requisitos:

1 – Efetivação por maior de 18 anos independentemente do estado civil (adoção singular) – Lei nº 8.069/90, art. 42 – ou por casal (adoção conjunta), ligado pelo matrimônio ou por união estável, comprovada a estabilidade familiar. Ninguém pode ser adotado por duas pessoas, salvo se forem marido e mulher, ou se viverem em união estável.

Se, porventura, alguém vier a ser adotado por duas pessoas (adoção conjunta ou cumulativa) que não sejam marido e mulher, nem conviventes, prevalecerá tão somente a primeira adoção, sendo considerada nula a segunda, caso contrário ter-se-ia a situação absurda de um indivíduo com dois pais ou duas mães.

Os divorciados, os separados (judicial ou extrajudicialmente – , por interpretação extensiva) e ex-companheiros poderão adotar conjuntamente se o estágio de convivência com o adotado houver iniciado na constância do período da convivência, comprovada a existência de vínculo de afinidade e afetividade com o não detentor da guarda que justifiquem a excepcionalidade da medida, e se fizerem acordo sobre a guarda do menor e o regime do direito de visitas (Lei n. 8.069/90, art. 19).

Por isso, desde que demonstrado efetivo benefício ao adotado, será assegurada a guarda compartilhada (CC, art. 1.584; Lei n. 8.069/90, art. 42, § 4º, com a redação da Lei nº 12.010/2009. Se um dos cônjuges ou conviventes adotar filho do outro, os vínculos de filiação entre o adotado e o cônjuge ou companheiro, e de parentesco entre os respectivos parentes (Lei 8.069/90, art. 41, 21 1º) serão mantidos. Ter-se-á , aqui, uma adoção unilateral.

Tutor ou curador poderão adotar seu tutelado ou curatelado se prestarem judicialmente constas de sua administração, sob a fiscalização do Ministério Público, e saldarem o seu alcance, se houver (ECA, art. 44), fizerem inventário e pedirem exoneração do múnus público.

Estão legitimados a adotar crianças maiores de 3 anos ou adolescentes os seus tutores, detentores de sua guarda legal, desde que domiciliados no Brasil, mesmo não cadastrados (art. 50, § 3º, do ECA) e se o lapso de tempo de convivência comprovar a fixação de laços de afinidade e afetividade, não seja constatada a ocorrência de má-fé ou qualquer das situações previstas nos arts. 237 ou 238 do ECA e haja comprovação de que preenchidos estão os requisitos necessários à adoção (art. 50, § 4º).

Também poderá ser deferida adoção em favor de candidato domiciliado no Brasil não cadastrado previamente quando for formulada por parente com o qual a criança ou adolescente mantenha vínculos de afinidade e afetividade, desde que preenchidos os requisitos legais.

Claro está que pai ou mãe que reconheceu filho não pode adotar, pois a adoção visa à transferência do poder familiar e a criar vínculo de filiação. Assim, adoção por quem já é pai ou mãe, e por isso detentor do poder familiar, seria ato jurídico sem objeto. Nada impede a adoção, pelo pai ou mãe, do filho havido fora da relação conjugal, se não quiser reconhecê-lo, uma vez que não existe na legislação nenhuma norma que proíba relações de parentesco civil entre pai, ou mãe, e filho “natural”.

Nem o marido poderá adotar sua mulher porque isso implicaria matrimônio entre ascendente e descendente por parentesco civil vedado pelo Código Civil, art. 1.521, I, in fine. Marido e mulher não podem ser adotados pela mesma pessoa, pois passariam a ser irmãos.

Se a adoção se der por pessoa solteira ou que não viva em união estável, formar-se-á uma entidade familiar, ou seja, uma família monoparental.

2 – Diferença mínima de idade entre adotante e adotado, pois o adotante, pelo art. 42, § 3º, da Lei n. 8.069/90, há de ser, pelo menos, 16 anos mais velho que o adotado, pois não se poderia conceber um filho de idade igual ou superior à do pai, ou mãe, por ser imprescindível que o adotante seja mais velho para que possa desempenhar cabalmente o exercício do poder familiar. Se o adotante for um casal, bastará que um dos cônjuges, ou conviventes, seja 16 anos mais velho que o adotado.

3 – Consentimento do adotante, do adotado, de seus pais ou de seu representante legal (tutor ou curador) não cabendo nesta matéria separação judicial.

Se o adotado for menor de 12 anos, ou se for maior incapaz, consente por ele seu representante legal (pai, tutor ou curador), mas se contar mais de 12 anos será necessário o seu consenso, colhido em audiência, logo, deverá ser ouvido para manifestar sua concordância (Lei n. 8.069/90, art. 28, § 2º). Havendo anuência dos pais e deferida a adoção em procedimento próprio e autônomo, providenciar-se-á a destituição do poder familiar (Lei n. 8.069/90, arts. 24, 32, 39 a 51, 155 a 163), uma vez que se terá perda do vínculo do menor com sua família de sangue e seu ingresso na família sócio-afetiva.

O consentimento será dispensado em relação à criança ou adolescente, se os pais forem desconhecidos ou tiverem sido destituídos do poder familiar (ECA, art. 45, § 1º). Não haverá, portanto, necessidade de consentimento do representante legal nem do menor, se se provar que se trata de infante que se encontra em situação de risco, por não ter maios para sobreviver, ou em ambiente hostil, sofrendo maus-tratos, ou abandonado, ou de menor cujos pais sejam desconhecido, estejam desaparecidos e esgotadas as buscas, ou tenham perdido o poder familiar, sem nomeação de tutor. Em caso de adoção de menor órfão, abandonado, ou cujos pais foram inibidos do poder familiar, o Estado o representará ou assistirá, nomeando o juiz competente um curador ad hoc.

Sempre que possível, a criança ou o adolescente será previamente ouvido por equipe interprofissional, respeitado seu estágio de desenvolvimento e grau de compreensão sobre as implicações da medida, e terá sua opinião devidamente considerada (ECA, art. 28, § 1º).

Se se tratar de relativamente incapaz, deverá participar do ato assistido pelo seu representante legal.

Já se decidiu que a falta de interesse do genitor em se manter com o poder familiar não pode, jamais, ser presumida tão somente porque teria tomado ciência dessa ação. Necessário seria que fosse efetivamente intimado para que viesse à audiência exercer sua manifestação de vontade, sob pena de, não o fazendo, aí sim poder-se acolher a pretensão buscada pelos requerentes.

Se for maios de 18 anos e capaz, deverá manifestar sua aquiescência por ato inequívoco (RT, 200:652).

*Maria Helena Diniz, ob. cit.

FILIAÇÃO*

Introdução

Filiação é a relação de parentesco consangüíneo, em primeiro grau e em linha reta, que liga uma pessoa àquelas que a geraram, ou a receberam como se a tivessem gerado.

Todas as regras sobre parentesco consangüíneo estruturam-se a partir da noção de filiação, pois a mais próxima, a mais importante, a principal relação de parentesco é a que se estabelece ente pais e filhos

Em sentido estrito, filiação é a relação jurídica que liga o filho a seus pais. É considerada filiação propriamente dita quando visualizada pelo lado do filho. Encarada em sentido inverso, ou seja, pelo lado dos genitores em relação ao filho, o vínculo se denomina paternidade ou maternidade.

Em linguagem jurídica, todavia, às vezes “se designa por paternidade, num sentido amplo, tanto a paternidade propriamente dita como a maternidade.

É assim, por exemplo, que se deve ser entendida a expressão “paternidade responsável” consagrada na Constituição Federal de 1988, art. 226, § 2º.

A Constituição de 1988 (art. 227, § 6º) estabeleceu absoluta igualdade entre todos os filhos, não admitindo mais a retrógrada distinção entre filiação legítima e ilegítima, segundo os pais fossem casados ou não, e adotiva, que existia no Código Civil de 1916. Naquela época, dada a variedade de conseqüências que essa classificação acarretava, mostrava-se relevante provar e estabelecer a legitimidade.

Filhos legítimos eram os que procediam de justas núpcias. Quando não houvesse casamento entre os genitores, denominavam-se ilegítimos e se classificavam, por sua vez, em naturais e espúrios.

Naturais, quando entre os pais não havia impedimento para o casamento. Espúrios, quando a lei proibia a união conjugal dos pais. Estes podiam ser adulterinos, se o impedimento resultasse do fato de um deles ou de ambos serem casados, e incestuosos, se decorresse do parentesco próximo, como entre pai e filha ou entre irmão e irmã.

O Código Civil de 1916 dedicava ainda um capítulo à legitimação, como um dos efeitos do casamento. Tinha este condão de conferir aos filhos havidos anteriormente os mesmos direitos e qualificações dos filhos legítimos, como se houvessem sido concebidos após as núpcias.

Dizia o art. 352 do aludido diploma que “os filhos legitimados são, em tudo, equiparados aos legítimos”.

Hoje, todavia, todos são apenas filhos, uns havidos fora do casamento, outros em sua constância, mas com iguais direitos e qualificações. O princípio da igualdade dos filhos é reiterado no art. 1.596 do Código Civil, que enfatiza: “Os filhos, havidos ou não da relação do casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação”.

Observa Caio Mário da Silva Pereira, que o legislador de 2002, no que concerne à filiação, reporta-se sempre ao casamento, omitindo as situações oriundas das relações de fato reconhecidas como união estável, hoje entidade familiar protegida pelo Estado, recomendando que se revejam, “de imediato, os princípios que regem as presunções considerando também estas relações de fato geradoras de direitos e deveres”.

Malgrado a inexistência, por vedação expressa da lei, de diversidade de direitos, qualificações discriminatórias e feitos diferenciados pela origem da filiação, estabelece ela, para os filhos que procedem de justas núpcias, uma presunção de paternidade e a forma de sua impugnação; para os havidos fora do casamento, critérios para o reconhecimento, judicial ou voluntário, e, para os adotados, requisitos para a sua efetivação.

Presunção legal de paternidade

Preleciona Caio Mário da Silva Pereira que, “não se podendo provar diretamente a paternidade, toda a civilização ocidental assenta a idéia de filiação num ‘jogo de presunções’, a seu turno fundadas numa probabilidade: o casamento pressupõe as relações sexuais dos cônjuges e fidelidade da mulher; o filho que é concebido durante o matrimônio tem por pai o marido de sua mãe. E, em conseqüência, ‘presume-se filho o concebido na constância do casamento’. Esta regra já vinha proclamada no Direito Romano.

Baseado no que normal ou comumente acontece, presume o legislador que o filho da mulher casada foi fecundado por seu marido. Tal presunção visa preservar a segurança e a paz familiar, evitando “que se atribua prole adulterina à mulher casada e se introduza, desnecessariamente, na vida familiar, o receio da imputação de infidelidade”.

Em regra, o simples fato do nascimento estabelece o vínculo jurídico entre a mãe e o filho. Se a mãe for casada, esta circunstância estabelece, automaticamente, a paternidade: o pai da criança é o marido da mãe, incidindo a aludida presunção pater is est quem justae nuptiae demonstrant.

A presunção “pater is est”

O Código Civil, no capítulo concernente à filiação, enumera as hipóteses em que se presume terem os filhos sido concebidos na constância do casamento. Embora tal noção não tenha mais interesse para a configuração da filiação legítima, continua sendo importante para a incidência da presunção legal de paternidade.

Essa presunção, que vigora quando o filho é concebido na constância do casamento, é conhecida, como já dito, pelo adágio romano pater is est quem justae nuptiae demonstrant, segundo o qual é presumida a paternidade do marido no caso do filho gerado por mulher casada. Comumente, no entanto, é referida de modo abreviado: presunção pater is est.

Dispõe o art. 1.597 do Código Civil que se presumem concebidos na constância do casamento os filhos:

I – nascidos cento e oitenta dias, pelo menos, depois de estabelecida a convivência conjugal;

II – nascidos aos trezentos dias subseqüentes à dissolução da sociedade conjugal, por morte, separação judicial, nulidade e anulação do casamento;

III – havidos por fecundação artificial homóloga, mesmo que falecido o marido;

IV – havidos a qualquer tempo, quando se tratar de embriões excedentários, decorrentes de concepção artificial homóloga;

V – havidos por inseminação artificial heteróloga, desde que tenha prévia autorização do marido”.

Baseiam-se os dois primeiros incisos do aludido dispositivo nos períodos mínimo e máximo de gestação viável. O prazo de cento e oitenta dias começa a fluir não da data da celebração do casamento, mas do momento em que se estabelece a convivência (caso de pessoas que se casam por procuração ou se vêem impossibilitadas de iniciar o convívio por algum motivo relevante, com o repentino problema de saúde, por exemplo).

Salienta Caio Mário da Silva Pereira que “não cabe discutir se, sob aspecto biológico, o prazo de cento e oitenta dias é bastante para uma gestação a termo. A lei o institui in favore legitimitatis, porque a Medicina Legal aponta casos, posto que raros, de um nascimento nesse prazo...”.

Clóvis Beviláqua, em resposta a críticas do aludido critério, também adotado no Código Civil de 1916, dizia que tais prazos eram devidos à falta de melhor solução da ciência.

A ciência moderna, com seus constantes avanços, autoriza, todavia, outras soluções, uma vez que consegue determinar com precisão a data em que se deu a concepção, com pequenas e desprezíveis diferenças. Por outro lado, o exame de DNA possibilita definir a paternidade com a certeza necessária.

Oportuna e inteiramente pertinente, a propósito, a observação de Zeno Velloso no sentido de que o teste de DNA “tornou obsoletos todos os métodos científicos até então empregados para estabelecer a filiação. A comparação genérica através do DNA é tão esclarecedora e conclusiva quanto as impressões digitais que se obtêm na datiloscopia, daí afirmar-se que o DNA é uma impressão digital genética.”

Aduz o emérito civilista paraense, na seqüência, que “a possibilidade de utilização deste marcador genético como meio de prova, analisando-se a estrutura genética dos supostos pai e filho, obtendo-se respostas definitivas sobre a alegada relação de parentesco, revolucionou o tema, e o direito de família, quanto a esta questão, não pode continuar sendo o mesmo, baseado em princípios, critérios, presunções e conhecimentos que perderam valor e qualquer sentido diante do fantástico progresso representado por esta nova técnica de comparação d genes”.

Assim, pouca ou nenhuma valia terá na prática o aludido inciso I ora comentado.

Não se pode deixar de enfatizar que, todavia, sob o ponto de vista da família socioatetiva prestigiada pela Constituição Federal, “que relativiza a origem biológica, essa presunção não é determinante da paternidade ou da filiação, pois, independentemente da fidelidade da mulher, pai e marido ou o companheiro que aceita a paternidade do filho, ainda que nascido antes do prazo de 180 dias do início da convivência, sem questionar a origem genética, consolidando-se o estado de filiação.

Não se deve esquecer que a origem dessa presunção, e sua própria razão de ser, antes da Constituição, era a atribuição da legitimidade ou ilegitimidade da filiação.

No inciso II, como as separações judiciais, divórcios e anulações não se resolvem em um dia, é evidente que o prazo deve iniciar-se da separação de fato, devidamente comprovada. Regina Beatriz Tavares da Silva destaca esse aspecto, salientando que a separação judicial, a nulidade e a anulação do casamento são, via de regra, precedidas de separação de fato entre os cônjuges, de modo que “não podem os filhos havidos trezentos dias após as sentenças respectivas ser havidos presumivelmente como sendo do marido”, aduzindo que, “se o cônjuge simplesmente separado de fato pode constituir união estável (art. 1.723, § 1º), o filho havido da nova relação da mulher, nestas circunstâncias e diante deste dispositivo, será tido presumivelmente como de seu marido”. Somente devem permanecer, no seu entender, “as presunções constantes dos incisos I, III, IV e V, com a sua devida renumeração”.

Se o filho nascer depois dos trezentos dias, a contar da morte do marido, não o socorrerá a presunção de legitimidade, e, neste caso, aos herdeiros caberá o direito de propor ação impugnativa da filiação. Preceitua, a propósito, o art. 1.598 do Código Civil: “Salvo prova em contrário, se, antes de decorrido o prazo previsto no inciso II, do art. 1.523, a mulher contrair novas núpcias e lhe nascer algum filho, este se presume do primeiro marido, se nascido dentro dos trezentos dias a contar da data do falecimento deste e, do segundo, se o nascimento ocorrer após esse período e já decorrido o prazo a que se refere o inciso I do art. 1.597”.

Trata-se de norma de redação confusa, tendo Silvio Rodrigues sugerido, “para clarear o problema, e sua solução”, que se figure a seguinte hipótese: “viúva, após sessenta dias do falecimento de seu marido, ingressa em novas núpcias. Nascido filho duzentos dias após o seu casamento, pelo regime do Código de 1916 a criança teria dois pais: o falecido, pois nascida nos trezentos dias seguintes ao seu falecimento (art. 338, II), e o n ovo marido, uma vez havida nos cento e oitenta dias depois de estabelecida a convivência conjugal (art. 338, I).

Resolve, o novo Código essa questão, indicando, no caso exemplificado, apenas o falecido como pai presumido, ressalvada, como expresso no texto, a prova em contrário”.

Na mesma linha sublinha Caio Mario que, para impedir este conflito de presunções (turbatio sanguinis), instituiu-se a causa suspensiva do inciso II do art. 1.523 do Código Civil de 2002. Se, não obstante, vier a casar-se a viúva, ou aquela cujo casamento se desfez, aduz, “recorrer-se-á à produção dos meios regulares de prova: exame de DENA, documentos, oitiva de testemunhas. Baldadas as provas, institui o artigo uma presunção, a exemplo do Código Civil Alemão: o filho presume-se do primeiro marido, se nascer dentro dos trezentos dias a contar do falecimento dele, ou da anulação do casamento. Será do segundo marido, se ocorrer mais tarde. É a solução que melhor se coaduna com a ciência. O Código atribui a paternidade ao segundo marido, se o nascimento se der depois daquele prazo, porém depois de decorridos cento e oitenta dias de seu casamento. A solução é, de certo modo, arbitrária, mas não aberra das presunções instituídas em favor da legitimidade.”

Somente incide a presunção pater is est se houver convivência do casal. Com o desenvolvimento da ciência e a possibilidade de se realizarem exames que apurem a paternidade com certeza científica, especialmente por meio de DNA, cuja molécula contém o código genético pela herança cromossômica de cada indivíduo, prevalecerá a verdade biológica.

Procriação assistida e o novo Código Civil

O art. 1.597 do Código Civil prevê, nos incisos III, IV e V, mais três hipóteses de presunção de filhos concebidos na constância do casamento, todas elas vinculadas à reprodução assistida. A doutrina tem considerado tais presunções adequadas aos avanços ocorridos nesta área. O inciso III do aludido dispositivo faz incidir a presunção de filhos concebidos na constância do casamento nos “havidos por fecundação artificial homóloga, mesmo que falecido o marido”.

As principais técnicas de reprodução assistida são: a inseminação artificial (homóloga, post mortem ou heteróloga), a fecundação in vitro e as chamadas "mães de substituição".

Dependendo da técnica aplicada, a fecundação poderá ocorrer in vivo ou in vitro. Na inseminação artificial, a fecundação ocorre in vivo, com procedimentos que são relativamente simples, consistentes na introdução dos gametas masculinos "dentro da vagina, em volta do colo, dentro do colo, dentro do útero, ou dentro do abdômen." (Eduardo Oliveira Leite, p. 38).

No caso da Fecundação in vitro, o processo é mais elaborado e a fecundação ocorre em laboratório, de forma extra-uterina.

Dependendo da origem dos gametas, a inseminação ou fecundação será homóloga ou heteróloga.

Será homóloga quando a fecundação se der entre gametas provenientes de um casal que assumirá a paternidade e a maternidade da criança.

Será heteróloga, quando o espermatozóide ou o óvulo utilizado na fecundação, ou até mesmo ambos, são provenientes de terceiros que não aqueles que serão os pais socioafetivos da criança gerada.

O vocábulo fecundação indica a fase de reprodução assistida consistente na fertilização de óvulos pelo espermatozóide. A fecundação ou inseminação homólogo é realizada com sêmen originário do marido. Neste caso o óvulo e o sêmem pertencem ao marido e à mulher, respectivamente, pressupondo-se, in casu, o consentimento de ambos. A fecundação ou inseminação artificial post mortem é realizada com embrião ou sêmen conservado, após a morte do doador, por meio de técnicas especiais.

N Jornada de Direito Civil realizada no Superior Tribunal de Justiça no mês de junho de 2002, aprovou-se proposição para que se interprete o inciso III do citado art. 1.597 no sentido de ser obrigatório, para que se presuma a paternidade do marido falecido, “que a mulher, ao se submeter a uma das técnicas de reprodução assistida com o material genético do falecido, esteja ainda na condição de viúva, devendo haver ainda autorização escrita do marido para que se utilize seu material genético após sua morte”.

Adverte Caio Mário que não se pode falar em direitos sucessórios daquele que foi concebido por inseminação artificial post mortem , uma vez que a transmissão da herança se dá em conseqüência da morte (CC, art. 1.784) e dela participam as “pessoas nascidas ou já concebidas no momento da abertura da sucessão” (art. 1.798). Enquanto não houver uma reforma legislativa, até mesmo para atender ao princípio constitucional da não discriminação de filhos, caberá à doutrina e à jurisprudência fornecer subsídios para a solução dessa questão.

Dispõe o inciso IV do art. 1.597 do Código Civil que se presumem filhos aqueles “havidos, a qualquer tempo, quando se tratar de embriões excedentários, decorrentes de concepção artificial homóloga”.

Preleciona Regina Beatriz Tavares da Silva, forte nas lições de Mônica Sartori Scarparo e Joaquim José de Souza Diniz sobre fertilização assistida, que embrião é o ser oriundo da junção de gametas humanos, sendo que há basicamente dois métodos de reprodução artificial: a fertilização in vitro, na qual o óvulo e o espermatozóide são unidos numa proveta, ocorrendo a fecundação fora do corpo da mulher, e a inseminação artificial, no corpo da mulher, esperando-se que a própria natureza faça a fecundação. O embrião é excedentário quando é fecundado fora do corpo (in vitro) e não é introduzido prontamente na mulher, sendo armazenado por técnicas especiais.

Considera-se embrião, diz Paulo Luiz Netto Lôbo, “o ser humano durante as oito primeiras semanas de seu desenvolvimento intrauterino, ou em proveta e depois no útero, nos casos de fecundação in vitro, que é a hipótese cogitada no inciso IV do artigo em comento”. Segundo o mencionado autor, o Código Civil não define a partir de quando se considera embrião, mas a Resolução 1.358/92, do Conselho Federal de Medicina, indica que, “a partir de 14 dias, tem-se propriamente o embrião, ou vida humana. Essa distinção é aceita em vários direitos estrangeiros, especialmente na Europa”.

Apenas é admitida a concepção de embriões excedentários “se esses derivarem de fecundação homóloga, ou seja, de gametas da mãe e do pai, sejam casados ou companheiros de união estável. Por conseqüência, está proibida a utilização de embrião excedentário por homem e mulher que não sejam os pais genéticos ou por outra mulher titular de entidade monoparental.

O que ocorrerá, contudo, e a vedação for descumprida e ocorrer a concepção no útero da mulher que não seja a mãe genética? O filho será juridicamente daquela e, no caso de par casado, do marido, neste caso em virtude do princípio pater is est e da presenção de maternidade da mulher parturiente, além da circuntância de não ter o Brail, ao lado da maioria dos países, acolhido o uso instrumental do útero alheio, sem vínculo de filiação (popoularmente conhecido como ‘barriga de aluguel’)”.

A mencionada Jornada de Direito Civil, realizada em Brasília em junho de 2002, aprovou proposição no sentido de que, “finda a sociedade conjugal, na forma do art. 1.571, deste Código, a regra do inciso IV somente poderá ser aplicada se houver autorização prévia, por escrito, dos ex-cônjuges, para a utilização dos embriões excedentários, só podendo ser revogada até o início do procedimento de implantação destes embriões”.


*Carlos Roberto Rodrigues, ob. cit.

segunda-feira, 12 de abril de 2010

O QUE DIZ O CÓDIGO CIVIL SOBRE A FILIAÇÃO

Código Civil, arts. 1.596, e seguintes.

  • Os filhos, havidos ou não da relação de casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação.
  • Presumem-se concebidos na constância do casamento os filhos:
  1. nascidos 180 (cento e oitenta) dias, pelo menos, depois de estabelecida a convivência conjugal.
  2. nascidos nos 300 (trezentos) dias subseqüentes à dissolução da sociedade conjugal, por morte, separação judicial, nulidade ou anulação do casamento.
  3. havidos por fecundação artificial homóloga, mesmo que falecido o marido.
  4. havidos, a qualquer tempo, quando se tratar de embriões excedentários, decorrentes de concepção artificial homóloga.
  5. havidos por inseminação artificial heteróloga, desde que tenha prévia autorização do marido.
  • Salvo prova em contrário, se, antes de decorrido o prazo previsto no inciso II do art. 1.523, a mulher contrair novas núpcias e lhe nascer algum filho, este se presume do primeiro marido, se nascido dentro dos 300 (trezentos) dias a contar da data do falecimento deste e, do segundo, se o nascimento ocorrer após esse período e já decorrido o prazo de 180 (cento e oitenta) dias, depois de estabelecida a convivência conjugal.
  • A prova da importância do cônjuge para gerar, à época da concepção, ilide a presunção da paternidade.
  • Não basta o adultério da mulher, ainda que confessado, para ilidir a presunção legal da paternidade.
  • Cabe ao marido o direito de contestar a paternidade dos filhos nascidos de sua mulher, sendo tal ação imprescritível.
  • Contestada a filiação, os herdeiros do impugnante têm direito de prosseguir na ação.
  • Não basta a confissão materna para excluir a paternidade.
  • A filiação prova-se pela certidão do tempo de nascimento registrada no Registro Civil.
  • Ninguém pode vindicar estado contrário ao que resulta do registro de nascimento, salvo provando-se erro ou falsidade de registro.
  • Na falta, dou defeito, do termo de nascimento, poderá provar-se a filiação por qualquer modo admissível em direito:
  1. quando houver começo de prova por escrito proveniente dos pais, conjunta ou separadamente;
  2. quando existirem veementes presunções resultantes de fatos já certos.
  • A ação de prova de filiação compete ao filho, enquanto viver, passando aos herdeiros, se ele morrer menor ou incapaz.
  • Se iniciada a ação pelo filho, os herdeiros poderá continuá-la, salvo se julgado extinto o processo.


sexta-feira, 2 de abril de 2010

FILIAÇÃO*

Generalidades

Na ensinança de Washington de Barros Monteiro, filiação "é a relação existente entre o filho e as pessoas que o geraram".

Trata-se, nesse caso, da filiação natural, decorrente do jus sanguinis.

Partindo desse conceito, permite-se concluir que, na adoção, não se opera a verdadeira e pura filiação, embora, constumeiramente, ela receba a denominação filiação adotiva.

A doutrina vem propugnando e defendendo a teoria de socioafetividade com o fundamento de que o elemento material da filiação não é somente o vínculo de sangue, pois, atrás disso, existe também uma verdadeira socioafetividade, como será abordado ao final deste capítulo.

Filiação antes da Constituição de 1988


Em data anterior à promulgação da atual Constituição, a filiação encontrava-se sob a égide exclusiva do Código Civil, o qual apresentava as seguintes distinções:

  • filhos legítimos: os concebidos na constância do casamento, ex vi do art. 338 do Código Civil de 1916.
  • filhos ilegítimos: os concebidos em relação extramatrimonial, desdobrando-se em duas subespécies: a) filhos naturais, nascidos de pessoas sem impedimento para casar (pessoas solteiras, sem vínculo de parentesco). No tocante ao direito hereditário, os filhos naturais somente tinham direito á metade do quinhão que coubesse ao filho legítimo. b) filhos espúrios, nascidos de pessoas com impedimento para casar.


Por outro lado, eram considerados adulterinos os filhos concebidos de uma pessoa casada com outra que não fosse seu cônjuge; e incestuosos quando concebidos de relação entre pessoas impedidas de casar entre si em razão de parentesco.


Filiação após a Constituição de 1988


A atual Constituição, por seu art. 227, § 6º, depois repetido no art. 20 do ECA e no art. 1.596 do atual Código Civil, consagrou o princípio da igualdade jurídica para todos os filhos, independentemente de suas origens:

"Art. 1.596. Os filhos havidos ou não da relação do casamento, ou por adoção, terãoos mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação."

Diante disso, hoje apenas se permite distinguir os filhos entre os havidos na constância do casamento e os havidos fora do casamento.


Filiação e planejamento familiar


É preciso dizer que as taxas médias de natalidade brasileiras têm caído gradativamente nos últimos cinqüenta anos. Para esse efeito, releva registrar que, em 1940, a média de filhos por família era de 6,2; já em 2000, era de 2,3 filhos por família. Da mesma forma, a taxa de natalidade, que era de 44% em 1940, passou para 22% em 2001.

No entanto, como observa o médico Dráuzio Varella, não há necessidade de consultar os números do IBGE para constatarmos que a queda foi muito mais acentuada nas classes média e alta: basta ver a fila de adolescentes grávidas à espera de atendimento nos hospitais públicos ou o número de crianças pequenas nos bairros mais pobres.

O médico mencionado associa a gravidez indesejada e a falta de planejamento familiar à violência urbana:

Há pouco tempo, afirmei numa entrevista ao jornal O Globo que a falta de planejamento familiar era uma das causas mais importantes da explosão de violência urbana ocorrida nos últimos vinte anos em nosso país. A afirmação era baseada em minha experiência na Casa de Detenção de São Paulo: é difícil achar na cadeia um preso criado por pai e mãe. A maioria é fruto de lares desfeitos ou que nunca chegaram a existir. O número daqueles que têm muitos irmãos, dos que não conheceram o pai e dos que foram concebidos por mães solteiras, ainda adolescente, é impressionante.

Paradoxalmente, a realidade demonstra que os casais que possuem mais condições econômicas de criar e educar os filhos fazem uso do planejamento familiar com o objetivo de reduzi-los a um, a dois ou, no máximo, três, ao passo que os casais de baixa ou nenhuma renda não conseguem reduzir o número de filhos a esse patamar, seja por ignorância, seja por falta de acesso aos meios contraceptivos ou de esterilização voluntária. Diante desse contexto, o que se permite deduzir é que o planejamento familiar, instituído pela Lei nº 9.263/96, embora possua caráter universal, tem como principais destinatários justamente as famílias de menor poder aquisitivo.

Planejamento familiar é, no sentido da lei (art. 2º), o conjunto de ações de regulação da fecundidade que garanta direitos iguais de constituição, limitação ou aumento de prole pela mulher, pelo homem ou pelo casal.

É dever do Estado, através do Sistema Único de Saúde, em associação no que couber, às instâncias componentes do sistema educacional, promover condições e recursos informativos, educacionais, técnicos e científicos que assegurem o livre exercício do planejamento familiar (art. 5º).

Um dos procedimentos destinados à viabilizar o planejamento familiar consiste na esterilização voluntária, normatizada na Portaria n. 48/99 do Ministério da Saúde. Segundo referida portaria, somente é permitida a esterilização voluntária sob as seguintes condições:

I - em homens e mulheres com capacidade civil plena e maiores de 25 anos de idade ou, pelo menos, com dois filhos vivos, desde que observado o prazo mínimo de sessenta dias entre a manifestação da vontade e o ato cirúrgico, período no qual será propiciado, à pessoa interessada, acesso ao serviço de regulação da fecundidade, incluindo aconselhamento por equipe multidisciplinar, visando a desencorajar a esterilização precoce;

II - em caso de risco à vida ou à saúde da mulher ou do futuro concepto, testemunhado em relatório escrito e assinado por dois médicos;

III - a esterilização cirúrgica como método contraceptivo somente será executada por laqueadura tubária (método permanente de contracepção, operacionalizado através da obstrução do lúmen tubário), vasectomia (método contraceptivo através da ligadura doscanais deferentes no homem.) ou de outro método científicamente aceito, sendo vedada por meio de histerectomia (operação cirúrgica da área ginecológica que consiste na retirada do útero) e ooforectomia (remoção cirúrgica de um ou ambos ovários);

IV – será obrigatório constar no prontuário médico o registro de expressa manifestação da vontade em documento escrito e firmado, após a informação dos riscos da cirurgia, possíveis efeitos colaterais, dificuldade de reversão e opões de contracepção reversíveis existentes,

Filiação natural

Filiação natural é a que decorre do ato de procriação, ou seja, do jus sanguinis existente entre pais e filhos. A filiação natural resulta de relações sexuais ou inseminação artificial entre homem e mulher, diferentemente da filiação decorrente de outra origem, como adoção e filiação socioafetiva.


Filhos havidos na constância do casamento

Presunção da paternidade

A paternidade presume-se em relação ao marido ou companheiro da mãe, na constância do casamento ou da união estável, com fundamento no princípio pater is est quem justae nuptiae demonstrant, ou seja, o marido ou o companheiro é o pai dos filhos concebidos por sua mulher ou companheira. Para esse efeito, prescreve o art. 1.597 do Código Civil que presumem-se concebidos na constância do casamento:

I – os filhos nascidos 180 dias, pelo menos, depois de estabelecida a convivência conjugal;

II – os nascidos dentro dos 300 dias subseqüentes à dissolução da sociedade conjugal por morte, separação judicial, nulidade e anulação do casamento;

III – havidos por fecundação artificial homóloga, mesmo que falecido o marido;

IV – havidos, a qualquer tempo, quando se tratar de embriões excedentários, decorrentes de concepção artificial homóloga;

V – havidos por inseminação artificial heteróloga, desde que tenha prévia autorização do marido.

*Valdemar P. da Luz, ob. cit